Arte urbana

Arte urbana
27/8/2024

Arte urbana

STATE + Notthesamo entrevistam artistas sobre o movimento atual da arte e o relacionamento com a cidade

Se formos descrever a arte urbana ao pé da letra, pela definição tradicional, arte seria a aptidão inata para aplicar conhecimentos, usando talento ou habilidade, na comprovação uma ideia, um pensamento; ou o resultado dessa demonstração - já a palavra urbana está relacionada ao significado de pertencimento à cidade; próprio da metrópole; que tem aparência urbana ou a ela se refere; vida moderna.

Ao falarmos sobre a vida urbana brasileira e sua arte, devemos voltar algumas décadas, justamente na de 70 - uma das épocas mais conturbadas na história do país. O Brasil vivia uma circunstância de ditadura militar. Neste cenário, a arte veio como uma forma de amparo e conforto para algumas pessoas que começaram a produzir por hobby ou por profissão. O outro lado da moeda é que os movimentos da arte urbana foram conduzidos em atos contraculturas, em forma de críticas ao sistema em que o país e o mundo estavam inseridos.

Formas de linguagem

A arte urbana chegou ao Brasil em meados da década de 70, mais precisamente com as obras nas paredes da cidade de São Paulo do grafiteiro Alex Vallauri, apesar da morte precoce aos 37 anos, Valluri é um dos expoentes da chamada "Geração 80" e ficou conhecido como pioneiro do graffti no país.

Imagem: Notthesamo

Já em terras estrangeiras, a história do grafite inicia-se ao final da década de 1960 e no começo dos anos 1970 em cidades como Paris e Nova Iorque, locais que a abriram espaço em suas paredes com as primeiras obras de artistas anônimos que buscavam se expressar.

Nova Iorque recebeu o movimento artístico nas áreas periféricas ao lado de culturas como a do hip hop e do movimento Flower Power dos hippies, mas quem foi um dos maiores percursores do movimento, foi o grafiteiro, que depois se tornou um artista neo-expressionista, Jean-Michel Basquiat.

Basquiat iniciou sua arte em prédios abandonados e transitou entre vários círculos no mundo artístico alternativo da cidade entre os anos 1970 e 1980, tendo sua carreira promovida após uma grande exposição. Além dele, o artista Keith Haring começou desenhando com giz nas paredes de estações de metrô de Nova Iorque, chegando a ter seu trabalho estampado em paredes do mundo todo, incluindo o Muro de Berlim.

No continente europeu, a arte de rua ganhou forças em "Maio de 68", em que os estudantes de duas grandes universidades, na cidade de Paris iniciaram um protesto contra o que acreditavam ser uma política retrógrada das instituições de ensino. Neste movimento, artistas anônimos deixaram seu descontentamento estampado nos muros da capital francesa, marcando o início de uma nova forma de expressão.

Na Europa dos dias atuais, temos vários nomes, entre eles, Banksy, nascido em 1974, que vem se expressando desde o final dos anos 90, inicialmente atuando como um grafiteiro e deixando sua marca nas ruas de Bristol, no Reino Unido.

Expressão além das tintas

Falando sobre a arte urbana e a valorização artística, o STATE recebe e apoia nesta semana a exposição ‘Arte dos Mestres’ com mais de 200 obras de todo o Brasil. O projeto, idealizado pela Organização não governamental, ONG, Artesol e com curadoria de Josiane Masson e Marco Aurélio Pulchério, exibe e coloca à venda materiais produzidos por vinte artesãos, além de promover rodas de conversa e apresentação de documentários. Fora o projeto da Instituição, rola no quintal de casa, precisamente na ARCA, a SP-Arte Rotas Brasileiras, com obras de mais de 250 artistas brasileiros.

Inspirados pelas artes que nos cercam, unimos forças com a plataforma de conteúdo Notthesamo, que promove o acesso a uma educação cultural relevante, para saber qual a relação de alguns artistas sobre o movimento atual da arte e o relacionamento com a cidade. Instigou? Chega mais!

Sobre a passagem urbana, o fotógrafo paulistano Ruy Fraga, 45, ressalta:

"o próprio movimento da cidade é o que me inspira. Nada está parado, é uma mudança, uma mutação constante que acontece diante dos olhos. De construção a pichação."
Imagem: @ruyfraga
"A própria fotografia me inspira, a maneira como o cenário urbano se comporta e muda com a luz e a sombra ao longo do dia. É fascinante ver!".

Já a artista plástica e designer, natural da Barra do Sahy, litoral norte de São Paulo, Jade Marangolo, 31, vê a cidade "como polo de unificar o conhecimento, com trocas saudáveis de ideias e possibilidades de crescimento econômico, social e cultural".

Artista plástica e designer @jademarangolo
"Apesar de ter crescido em um lugar que não era urbanizado, quando passei a morar na cidade de São Paulo não tive problema em me adaptar e tive interesse em descobri-la pouco a pouco", relembra, enfatizando a necessidade viver a cidade de forma homeopática: - "sempre com saídas de final de semana de volta ao silêncio de onde cresci, como forma de me energizar. A cidade em excesso me consome muito".

O diretor criativo e designer gráfico, natural de São Paulo, Edu Hirama, 49, se inspira nas pessoas, lugares e músicas para criar, para Hirama, os desafios de criar na cidade são:

"entender a relação entre espaços e pessoas".
A esquerda retrato do diretor de arte e designer gráfico, Edu Hirama, e a esquerda um de seus trabalhos. Imagens via: @eduhirama

O artista Pegge, 27, natural da zona leste São Paulo, ressalta os desafios mais latentes de criar na cidade,

"locomoção, dinheiro, conforto, entendimento e mais importante o tempo. Tudo é escasso", enfatiza o artista.
Artista @pegge_

Para o artista plástico e designer, Rafael Sliks, do centro de São Paulo, a inspiração vem de:

"muitas coisas, música, natureza, grandes cidades", pontua, já sua relação com a metrópole, funciona como um laboratório, "é de usar ela como suporte para criar meus experimentos pelas ruas", destaca Sliks.
Artista @rafaelsliks_
"Faço parte integrante de um grande organismo vivo composto por células, artérias e órgãos que precisam estar em equilíbrio para funcionar continuamente. Um espaço de encontros e desencontros que moldam a identidade dos que habitam. A cidade é ao mesmo tempo, tela e matéria, onde a vida e a arte se entrelaçam de forma orgânica".

Frisa a artista visual, Yohannah de Oliveira, 31 de Mossoró no Rio Grande do Norte.

Artista @yohannah._

Kadu Doy, 40, nascido em São Paulo, artista visual e designer gráfico, expressa sua relação com a cidade,

"Minha relação com a cidade é de amor e ódio. Sou parte dela e ela, parte de mim, em um reflexo mútuo que não se desfaz".

Sobre seu processo criativo, Doy, mas conhecido como Sosek, busca inspiração nos livros, família, música, amigos e cultura de rua.

Segundo o artista, "a arte urbana é simples, acessível e intrusiva. Ela fala direto, chega a todo mundo e se impõe no espaço sem pedir licença".

Artista @sosek.one

Inclusão

Arte Inclusiva é aquela que busca ser acessível a todos os públicos, em sua forma de expressão artística independentemente de suas habilidades, deficiências ou limitações.

Para a grafiteira, Luna, 26 de Jundiaí - município brasileiro do estado de São Paulo, "a arte no Brasil ainda está longe de ser acessível e inclusiva. Muitas pessoas estão buscando garantir o mínimo para sobreviver, enfrentando a falta de suporte básico que o Estado deveria fornecer. Por isso, a arte acaba ficando em segundo plano, pois não há espaço, tempo ou condição financeira para explorar a criatividade ou expressar-se artisticamente. Enquanto buscam apenas o essencial para existir, a possibilidade de se envolver com a arte torna-se quase um privilégio distante", ressalta.

Artista @lunapnd_

Conforme a artista:

"a arte urbana é toda forma de expressão criativa que se manifesta no espaço público, independentemente do material ou da superfície utilizada. É a voz das ruas, onde artistas transformam muros, fachadas, e qualquer superfície disponível em telas para suas ideias".

"A frequência de São Paulo é muito alta, quando volto para casa de lugares mais distantes, preciso de uns dois dias para equalizar as energias, para fluir e não apanhar de Sampa. Aqui é o lugar também onde me desenvolvi profissionalmente e vejo muitas oportunidades", diz Agustina Comas, 43, designer de moda e empresária, natural de Montevidéu | Uruguai.

Para Agustina, a arte acessível e inclusiva existe: "somente quando está em lugares onde qualquer pessoa se sente à vontade para entrar".

Designer de moda e empresária, Agustina Comas. Crédito retrato: Victor Affaro. Imagem via: @comas_agustina
"Grafite, pintura, arquitetura, paisagismo, escultura quando conectam, inspiram e incluem as pessoas. Sobretudo, a arte urbana provoca os sentidos e o pensamento, são os encontros de diferentes imaginários, identidades e culturas. Arte urbana é também streetwear.", ressalta a empresária.

A artista visual Mariana Oliveira, denominada artisticamente como Maritaca, 35, natural de Sampa, se inspira na natureza, no cotidiano, nas lutas e na cultura brasileira. Sobre sua relação com a cidade, a artista, informa que possui "dificuldade com os grandes centros urbanos".

Retrato da artista. Imagem: @mari.taca
"Já vivi imersa nesse contexto durante muito tempo e há alguns anos escolhi a imersão na natureza", relembra a artista que hoje vive na Barra do Sahy, litoral norte de São Paulo. "O que realmente me agrada nas construções que não gosto são as pinturas em empenas, alguma arte em algum canto deteriorado, os códigos escritos pelas pixações nos viadutos e nas margens concretizadas dos rios. Eu gosto dos manifestos feitos pelas pessoas nas cidades", frisa a artista se posicionando.
Uma das obras da artistas. Imagem: @mari.taca

Para Mari, a arte urbana é uma "uma maneira livre de se expressar, mesmo que ainda reprimida", sobre a inclusão e acessibilidade, Maritaca, conclui: - "A arte é acessível e inclusiva quando não é elitizada. Seria mais acessível e inclusiva se fosse valorizada pelo poder público e privado, se considerassem a arte como uma profissão, as (os) artistas como profissionais trabalhadores da cultura, se recebêssemos cachês dignos do nosso esforço, estudo e criação. Se for oferecida/disponibilizada como ferramenta de transformação social àquelas pessoas interessadas, incluindo as crianças, jovens, adultos e idosos".

* Colaborou Clarice Santana, Eduarda Bogo e Luana Aquino

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